imagem: Jia Lu, Illuminated

"EM CADA CORAÇÃO HÁ UMA JANELA PARA OUTROS CORAÇÕES.ELES NÃO ESTÃO SEPARADOS,COMO DOIS CORPOS;MAS,ASSIM COMO DUAS LÂMPADAS QUE NÃO ESTÃO JUNTAS,SUA LUZ SE UNE NUM SÓ FEIXE."

(Jalaluddin Rumi)

A MULHER DESPERTADA PARA SUA DEUSA INTERIOR,CAMINHA SERENAMENTE ENTRE A DOR E AS VERDADES DA ALMA,CONSCIENTE DA META ESTABELECIDA E DA PLENITUDE A SER ALCANÇADA.

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domingo, 11 de janeiro de 2009



Qualquer bom profissional da área de Letras, com um mínimo de formação em retórica, poderá lhe explicar, caro leitor, como seria relativamente simples escrever um panfleto racista que parecesse “ponderado”, uma monstruosidade pró-Apartheid que soasse “equilibrada”, uma justificativa do colonialismo mais bárbaro que parecesse estar “vendo os dois lados”. Basta ir fazendo um pingue-pongue pretensamente neutro entre verdugo e vítima, e você engana os incautos.

No caso das discussões acerca da catástrofe que assola o povo palestino desde 1948 e, muito especialmente, desde 1967, esses termos, “ponderação”, “equilíbrio”, constituem a faceta mais perversa do glossário macabro. O nosso jornalista “ponderado” dirá: sim, é verdade que Israel usa força desproporcional, mas o Hamas provocou com os foguetes, omitindo que a “trégua” -- e eu já expliquei aqui e aqui porque uso aspas nesse termo – foi rompida no dia 04 de novembro por Israel, com uma invasão seguida de sete assassinatos. O jornalista “equilibrado” dirá: sim, é verdade que os israelenses estão bombardeando Gaza por motivos eleitorais, mas o Hamas não é muito melhor, omitindo o fato de que quando a liderança inconteste dos palestinos era a secular OLP de Arafat, a política de extermínio e desumanização de Israel era absolutamente a mesma. Ou seja, como já explicou a especialista Jenniffer Loewenstein, o Hamas não tem nada a ver com o bombardeio a Gaza. Qualquer liderança que os palestinos construíssem, e que não compactuasse com sua escravização, estaria sofrendo o mesmíssimo massacre.

Nada tenho contra quem escreve sobre o tema com temperatura menos fervente que a minha. Mas não é essa temperatura que determina a forma como avalio o texto. Julgo-o, principalmente, por sua determinação em buscar a verdade. E o filistinismo da “ponderação” muitas vezes não está nem um pouco interessado na verdade, e sim em parecer “equânime” e bonitinho.

Há muita gente bem intencionada que acredita nessa história de “ver os dois lados”. Em qualquer conversa minimamente civilizada, alguém que se propusesse a estudar o nazismo ou o Apartheid “vendo os dois lados” seria ridicularizado. Mas ante a catástrofe palestina, esse filistinismo pretensamente neutro tem ampla circulação. Há jornalistas que, presenciando o nosso horror ante a chacina em Gaza, falam de “indignação seletiva”. Ora, o que teríamos que fazer para que nossa indignação não fosse “seletiva”? Chorar pelos soldados israelenses que estão com as unhas encravadas?

"um lado"

Uma vez, convidei um defensor das chacinas israelenses a uma conversa sobre o monumental trabalho historiográfico de Ilan Pappé, que demonstra a expulsão, o confisco e a política explícita de limpeza étnica contra os palestinos, tudo exaustivamente documentado. A resposta dele foi que leria o livro de Pappé tendo ao lado um texto de Alan Dershowitz. Em qualquer Faculdade de História minimamente séria, tal justaposição seria motivo de gargalhada ou ridicularização. Você não justapõe o trabalho de um historiador que passou anos desenterrando os fatos aos escritos raivosos de um ideólogo pró-Ocupação. Se você nunca leu Pappé ou Dershowitz, imagine que um historiador brasileiro propusesse um curso sobre a ditadura militar, utilizando as pesquisas de Elio Gaspari e Jacob Gorender, e alguém dissesse que para que o curso fosse “equilibrado”, seria necessário incluir o Manual de OSPB da ditadura militar.

É esse filistinismo pretensamente neutro que grassa sobre o sangue do povo palestino.

"o outro lado".

Por isso, o Biscoito Fino e a Massa trabalha com um axioma bastante simples: ante a barbárie inominável, ante o crime contra a humanidade, qualquer “ponderação” entendida nos termos acima é um gesto de cumplicidade com o verdugo. Por isso, aqui no Biscoito não há “ponderação”. Por isso, aqui não há “dois lados” porra nenhuma. Nós temos um lado: a busca da verdade. E em épocas de bárbarie, a verdade costuma estar do lado das vítimas.

http://www.idelberavelar.com/archives/2009/01/glossario_macabro_da_ocupacao_2_equilibrio_ponderacao_ver_os_dois_lados.php

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