imagem: Jia Lu, Illuminated

"EM CADA CORAÇÃO HÁ UMA JANELA PARA OUTROS CORAÇÕES.ELES NÃO ESTÃO SEPARADOS,COMO DOIS CORPOS;MAS,ASSIM COMO DUAS LÂMPADAS QUE NÃO ESTÃO JUNTAS,SUA LUZ SE UNE NUM SÓ FEIXE."

(Jalaluddin Rumi)

A MULHER DESPERTADA PARA SUA DEUSA INTERIOR,CAMINHA SERENAMENTE ENTRE A DOR E AS VERDADES DA ALMA,CONSCIENTE DA META ESTABELECIDA E DA PLENITUDE A SER ALCANÇADA.

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domingo, 14 de dezembro de 2008

OS CÁTAROS



Por: Carlos Antonio Fragoso Guimarães


Nas palavras da Igreja Romana, no século XII a região do Languedoc estava "infectada" pela heresia de um movimento considerado por ela como nocivo, chamado de catarismo pela Igreja de "a lepra louca do sul"(não suportava a Santa Madre Igreja qualquer concorrência ao seu domínio espiritual e político nem tolerava qualquer interpretação espiritual fora das instruções romanas). Embora fosse sabido por todos, em especial nas regiões adjacentes ao Langedoc, que os adeptos dessa heresia fossem essencialmente pacíficos e muito estimados pela população local, tendo muitos nobres ente eles. Tal movimente se constituia, para os doutores do Vaticano, uma grave ameaça à autoridade romana, a mais grave que Roma encontraria nos três séculos seguintes, até a chegada de Martinho Lutero. Por volta de 1200, a popularidade do movimento era tal que havia realmente a possibilidade real de que o catolicismo romano fosse substituído, como forma predominante de cristianismo, no Languedoc, pelo catarismo que estava se irradiando para outras partes da Europa.

Em 1165 a Igreja havia condeando formalmente o catarismo na cidade de Albi, no Languedoc. Daí por que os conhecemos também por albigenses. Muitas de nossas informações sobre eles provêm de fontes eclesiásticas católicas, e criar um quadro correto dos cátaros a partir destes documentos é como compreender a resistência estudantil brasileira, no tempo da Ditadura, a partir dos relatórios dos militares e do DOI-CODI, ou compreender a Resistência Francesa, na Segunda Guerra Mundial, a partir dos relatórios da Gestapo.
Em geral, os cátaros acreditavam na doutrina da reencarnação e reconheciam Deus não como um princípio com traços antropomórficos puramente masculino, mas como tendo, igualmente, princípios femininos. Na verdade, Deus estava bem acima das limitações do entendimento humano (o que nos remete, em parte, à doutrina dos Druidas, Pitágoras e Platão). Tanto que os pregadores e professores das congregações cátaras, conhecidos como parfaits, eram de ambos os sexos. Sendo o ser humano ciração e filiação da divindade, as polaridades masculinas e femininas não seriam antagônicas, mas complementares, e, portanto, igualmente importantes.

Seu principal texto teológico era o Evangelho de João e um outro texto (talvez o mesmo Evangelho de João) que eles chamava de o Evangelho do Amor. Ao mesmo tempo, rejeitavam veementemente a autoridade da Igreja Católica e negavam a validade das hierarquias clericais, ou de intercessores oficiais entre Deus e o homem. Diziam eles que não encontravam em parte alguma dos Evangelhos justificação para a estrutura eclesial romana. No centro desta oposição residia um pincípio extremamente importante: a fé só é real se vivida e sentida como como uma experiência mística direta, sem passar por uma segunda mão. Além do mais, a única fé real era que que produzisse obras, e os cátaros ficaram famosos e adquiriram imensa popularidade pela ação social que promoveram no Languedoc, dando tratamento gratuito de saúde e educação a todos, e sendo tolerantes com membros de outros credos, inclusve judeus, que viviam em paz na região. Em tal ênfase na experiência mística direta e aplicada em uma ética socialista vemos claramente a influência do neoplatonismo, em especial Plotino no pensamento cátaro, mas talvez seja mais correto ainda dizer que aqui provavelmente a influência mais direta veio do Cristianismo puro. Hoje diríamos que os cátaros buscavam vivenciar uma experiência de comunhão com Deus, ou uma experiência de transcendência, num domínio Transpessoal, que, antes, chamavamos de místicas. Esta experiência chamava-se gnosis, que em grego significa "conhecimento", e era privilegiada sobre todas as outras formas de credos e dogmas pelos cátaros. A ênfase na experiência direta com o transcendente, o transpessoal, tornava supérfluos padres, bispos e quaisquer outras autoridades eclesiásticas. Assim, a Igreja, sentindo-se realmente ameaçada, tomou a iniciativa de formar uma Cruzada (a primeira dentro da Europa e contra irmãos cristãos ocidentais, já que cristãos orientais foram trucidados, com as bênçãos de Roma, junto com árabes e judeus nas estúpidas Cruzadas clássicas à Terra Santa) com o fim de extirpar de vez com a "heresia" cátara: a Cruzada Albigense.

Em 1209, um exército de mais de 30 mil homens, desceu do norte da Europa em direção ao Languedoc, no sul da França, para executarem uma das maiores carnificinas da história humana. Na guerra que se seguiu, a população tomou a espada e denfendeu com ênfase os cátaros contra o despotismo católico.

Diz-nos o professor Hermínio C. Miranda que:

"Na verdade, a calamidade que se abatera sobre a região atingia em cheio também os católicos (locais). E não apenas aqueles que davam certa cobertura aos 'heréticos' e os respeitvam e até tinham por eles claras simpatias. Em repetidas oportunidades, a população lutou (e morreu) unida, contra o inimigo comum - independentes de preferências religiosas. Aliás, como temos visto, o povo convivia muito bem com os cátaros, tinha entre eles amigos e parentes e deles recebia atenção, ensinamentos, assistência social, religiosa e tratamento de saúde, fossem ou não devotos" (MIRANDA, 2002, p 240).

Igualmente interessante é a observação do escritor H. G. Wells no volume II de História da Civilização, à página 380:

"E é assim que vemos o espetáculo de Inocência III a pregar uma cruzada contra esses desafortunados sectários e a permitir o alistamento de todos os desclassificados, vagabundos e desordeiros da época, na obra de levar o fogo e a espada, a violência e o rapto e todos os ultrajes concebíveis aos mais pacíficos súditos do rei da França. As descrições das crueldades e abominações dessa cruzada são de leitura bem mais terrível do que qualquer narração dos martírios dos cristãos pelos pagãos e possuem, além disso, o acrescido horror que lhes vem de as sabermos indiscutivelmente verdadeiras".

A região do Languedoc, porém, era independente da França, tendo mais ligaçãos com a Espanha. A cruzada, anexando toda a região à França, além das barbridades crueis contra pessoas de bem, revoltou ao extremo toda a população local, incluindo os católicos, que lutaram ao lado e a favor dos cátaros. Assim, quando finalmente o temido e odiado líder militar da cruzada, Simon de Montfort, foi finalmente abatido (conta-se, quando uma pedra de catapulta lançado por uma guarnição feminina da resistência lhe esmagou a cabeça), toda a cidade de Tolosa (atual Toulouse) explodiu de alegria. Uma canção popular da época, em lingua Occitana, ou "Oc", muito parecida com o português - daí Languedoc, ou língua de oc - assim comemorava:

Montfort
Es mort
Es mort
Es mort!
Viva Tolosa
Ciotat Gloriosa
Et Poderosa!
Tornan lo paratge et l'onor!
Monfort
Es mort!
Es mort!
Es mort!

Todo o território da região ao redor de Toulouse e Carcassonne foi pilhado e as cidades e vilarejos arrasados sem dó nem piedade. Foguerias imensas eram acessas e nelas, homens, mulheres e jovens eram assados em uma selvageria e sede de morte sem igual. Em algumas cidades, mais de 400 pessoas morreram desta forma "cristã" em uma única noite. Esta febre fanática constituia o fervor cruzados, pois foi prometido pelo Papa que todos os que participassem da "Santa Cruzada" por 40 dias e demonstrassem eficácia contra a heresia teriam não só seus pecados perdoados, como ainda obteriam benefícios materiais legítimos pelo saque. Só na cidade de Beziers, por exemplo, 15 mil homens mulheres e crianças foram exterminadas, muitos até mesmo dentro de igrejas. Quando um oficial perguntou a um representante espiritual do papa Inocêncio III, o cínico Arnaud Amaury, arcebiso de Narbonne, como ele iria reconhecer um herege dos crentes verdadeiros, a resposta foi: "Mate-os todos. Deus reconhecerá os seus". Este ainda escreveu escreveu orgulhoso a Inocêncio III que "nem idade, nem sexo, nem posição foram poupados".... Depois os hereges maléficos eram os cátaros....

Ainda assim, os inocentes cátaros e todos os que conviviam na região sofreram abusos indescritíveis. Mesmo assim, "como nos primeiros tempos do cristianismo, os cátaros continuavam a pregar suas idéias pelos campos, nos bosques, em esconderijos e em casas de um ou outro mais corajoso simpatizante e até nas cavernas, numa trágica simetria com as catacumbas freqüentadas pelos cristãos primitivos. Não se entregavam, não renegavam suas idéias, nem mesmo qundo se lhes oferecia a escolha final entre a vida e a fogueira, ou seja, entre a fé e a morte. A opção de todos - com ínfimas excessões, uma unanimidade - era pelo sacrifício supremo, sem um gemido, temor ou angústia" (MIRANDA, 2002, p. 252).
A guerra cruel durou cerca de quarenta anos. Quando terminou, toda a Europa caiu numa espécie de modorra e barbárie, e a Igreja se impôs, pelo espetáculo desumano que cometera, como a única legítima representante de Deus, exercendo poder até mesmo em assuntos civis e de estado, e para ques e evitasse um ressurgimento da novas ameaças ao domínio da Igreja, foi criado uma das mais crueis, vergonhosas e desumanas instituições da História: a "Santa" Inquisição, de triste memória, e que deu nomes de porte de um Torquemada. Oficialmente extinta, a Inquisição, porém, continua com outro nome: Congregação para a Defesa da Fé, tendo feito, no século XX, novas vítimas, entre elas Pierre Teilhard de Chardin e, mais recentemente, Leonardo Boff. O seu atual mentor se consolida na figura do Cardeal Joseph Ratzinger. Ainda enção, não queimando mais corpos, ainda pode queimar obras e proibir idéias nas universidades católicas e nas editoras mantidas pela Igreja, usando ainda veículos impressos e outras mídias para anematizar que pensar diferente...

Tendo sedimentado seu total controle na Europa ocidental, a Igreja dominante constituia-se em uma instituição poderosa econômica, política e militarmente. Equiparava-se a um gigantesco feudo, e sua organização impunha uma violenta censura e controle espiritual e intelectual (ou crer ou morrer), submissão total à autoridade eclesiástica, etc. Em brutal e explícita oposição ao socialismo humanista dos primeiros cristãos, a Igreja de Roma punha-se com toda a violência que dispunha contra todos os que questionassem a legitimidade cristã de tais atitudes.

http://www.sintoniasaintgermain.com.br/catarismo.html

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