imagem: Jia Lu, Illuminated

"EM CADA CORAÇÃO HÁ UMA JANELA PARA OUTROS CORAÇÕES.ELES NÃO ESTÃO SEPARADOS,COMO DOIS CORPOS;MAS,ASSIM COMO DUAS LÂMPADAS QUE NÃO ESTÃO JUNTAS,SUA LUZ SE UNE NUM SÓ FEIXE."

(Jalaluddin Rumi)

A MULHER DESPERTADA PARA SUA DEUSA INTERIOR,CAMINHA SERENAMENTE ENTRE A DOR E AS VERDADES DA ALMA,CONSCIENTE DA META ESTABELECIDA E DA PLENITUDE A SER ALCANÇADA.

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sábado, 27 de dezembro de 2008

JUNG, NAS FRONTEIRAS DO CONHECIMENTO



Carl Gustav Jung [1875-1961], tornou-se respeitado mundialmente porque elevou a psiquiatria e a psicologia moderna a outro patamar da ciência. Estudiosos porém vêem nele um livre pensador, que buscou o verdadeiro saber nas fontes de conhecimento mais além das fronteiras acadêmicas, como gnosticismo, alquimia, hinduísmo, taoismo, astrologia, etc. Ele experienciou diretamente os mistérios da alma humana, qual moderno Platão, deixando um precioso legado à humanidade.

O autor Stephan A. Hoeller, ressalta: “Em cada era da história humana existiram indivíduos imbuídos de uma qualidade especial de conhecimento ou Gnosis. Carl Jung foi um deles. Tal conhecimento, como ele repetidas vezes afirmou, não poderia ser encontrado nas tradições da ciência e religião, existentes em sua época. Havia apenas um caminho aberto, uma única opção; Jung precisou viver a experiência original.” [Cf. “A Gnosis de Jung”, Stephan A. Hoeller, Cultrix].

Certa vez um modesto caixeiro viajante encontrou casualmente Jung na rua, olhou-o de olhos arregalados, e disse: “Você é realmente o homem que escreve aqueles livros? Aquele que escreve sobre coisas que ninguém sabe?”

Na obra “C.G. Jung: Entrevistas e Encontros”, o escritor Georges Duplain pergunta a Jung (Gazette de Lausanne, 4-8/09/1959): “A sua explicação do homem e do mundo é compreensível para as pessoas simples ou reservada à elite intelectual?”

E Jung disse existir duas coisas distintas: “o uso da psicoterapia, reservado aos especialistas médicos – nem todos podem andar por aí mexendo com isso – mas aquilo a que você chama “explicação”, alcança muito mais gente do que eu próprio julguei possível.”

Contou-lhe então a história de uma mulher simples, que lhe escreveu num pedaço de papel, pedindo para vê-lo apenas uma vez na vida. O fato causou-lhe profunda impressão e Jung convidou-a a visitá-lo, e percebeu ser muito pobre… inclusive intelectualmente; talvez não tivesse nem concluído a escola primária. Ela tomava conta da casa com o irmão e viviam de uma pequena banca de jornais. Jung perguntou-lhe amavelmente se entendia os seus livros. E a resposta foi extraordinária: “Os seus livros não são livros, Herr Professor, são pão”.

Conheça a seguir algumas facetas do amplo conhecimento de Jung, bem como a amplitude de sua estatura humana, reveladas no diálogo com Georges Duplain:

“Jung: Nas Fronteiras do Conhecimento”

Duplain: “O senhor fala de uma mudança de era, de um novo mês platônico, de uma passagem para um outro signo do zodíaco. O que quer dizer com isso, que realidade essas constelações possuem?”

Jung: “As pessoas não gostam que se fale sobre essas coisas, você ver-se-á alvo de zombaria. Ninguém leu Platão… Contudo, ele foi um dos que mais se aproximaram da verdade. A influência das constelações, do zodíaco, existe; não se pode explicar porquê, é algo que se prova mediante um milhar de signos.

Mas os homens sempre vão de um extremo a outro: ou não acreditam ou são crédulos; qualquer conhecimento pode ser ridicularizado com base nos que os espíritos mesquinhos fizeram dele. Isso é estupidez e, sobretudo, perigoso.

Os grandes períodos astrológicos existem, Touro e Gêmeos foram períodos pré-históricos, não sabemos muita coisa sobre eles. Mas Áries, o Carneiro, é mais recente… Com o início da era cristã, entramos no signo de Peixes.

Não fui eu quem inventou os símbolos icticos [relativos a peixes], existentes no cristianismo: o pescador de homens, os pisciculi christianorum. O cristianismo marcou-nos profundamente porque encarna tão bem os símbolos da nossa era. Erra na medida em que acredita ser a única verdade; quando na realidade é uma das grandes expressões de verdade no nosso tempo. Negá-lo é querer tapar o sol com a peneira. O que vem a seguir? Aquário, o Aguadeiro, a queda de água de um lado para outro. E o pequeno peixe recebendo a água do cântaro do Aguadeiro, cuja estrela principal é Fomalhaut, que significa “boca de peixe”.

Em nossa era [cristã], o peixe é o conteúdo; com o Aguadeiro, ele converte-se em recipiente. É um símbolo muito estranho. Não me atrevo a interpretá-lo. Até onde me é possível conjeturar, trata-se da imagem da aproximação de um grande homem. Aliás, encontramos muitas coisas a esse respeito na própria Bíblia: existem mais coisas na Bíblia do que os teólogos podem admitir.

É uma questão de experiência que o simbolismo muda de um signo para outro, e há o risco de que essa passagem venha a ser ainda mais difícil para os homens de hoje e amanhã, porque já não acreditam nisso, já não querem ter consciência disso. Ora, quando o Papa Pio XII, em um dos seus discursos, deplorou que o mundo já não tivesse suficiente consciência da presença de anjos, ele estava dizendo aos católicos, em termos cristãos, exatamente o que eu estou tentando dizer, em termos de psicologia, aos que têm maiores possibilidades de entender esta linguagem mais do que qualquer outra.”

Duplain: “Mas que recomendações pode fazer para a passagem que está prestes a ocorrer, e cujas dificuldades o senhor teme?”

Jung: “Um espírito de maior abertura em relação ao inconsciente, uma atenção maior aos sonhos, um sentido mais agudo da totalidade do físico e do psíquico, de sua indissolubilidade; um gosto mais ativo pelo autoconhecimento… As religiões tentaram ser isso, mas o resultado não é inteiramente satisfatório, não concorda?

O que é muito importante é existir, e isso é mais raro do que se pensa. Ter uma tarefa diária e cumpri-la; e, ao mesmo tempo, prestar atenção ao que está ocorrendo, dentro e fora do eu, com plena consciência de todas as formas de vida, de todas as suas expressões. Obedecer às principais regras, mas dar também rédea livre aos aspectos menos familiares do eu.

Desenhar, e as fantasias e visões que isso ocasionava, era coisa muito valiosa. Agora, batemos fotografias [ou brincamos no computador], e isso não preenche, em absoluto, a mesma necessidade. Os pintores não reconhecem limites para a mais arrebatada fantasia… tornando-se especialistas em certas necessidades de expressão. Todos temos essas necessidades, mas não podemos dividir o trabalho interior da personalidade do modo que pensamos poder dividir a sua atividade exterior. Isto desintegra algo que lhe é essencial e causa doença psíquica.

Ao escrever sobre discos voadores [Cf. “Discos Voadores: Um Mito Moderno”], expliquei por que os homens estão sempre tão atentos a qualquer coisa que se assemelhe a um círculo ou esfera, os símbolos da unidade, da totalidade do ser de uma pessoa, daquilo que chamei o eu. Existe uma terrível fome espiritual… mas também há gente que não quer ser alimentada com mingau de bebê”.

Duplain: “Permite-me que lhe peça para repetir os pontos principais do seu sistema que poderão ajudar o homem a descobrir sua totalidade e aliviar sua fome espiritual, quando ele deixa de aderir às palavras do cristianismo?”

Jung: “Em primeiro lugar, eu não tenho sistema, doutrina, nada desse gênero. Sou empirista [no sentido de observador], sem qualquer concepção metafísica… E obtive alguns princípios básicos. Existe o eu, a totalidade do ser do indivíduo, conhecido e desconhecido, consciente e inconsciente, opondo-se à distinção do físico e psíquico.

Depois, temos os arquétipos, essas imagens do instinto. Pois o instinto não é apenas um impulso de dentro para fora, ele também participa da representação de formas… Os nossos instintos não se expressam somente em nossas ações e reações, mas também no modo como formulamos o que imaginamos. O instinto não é apenas biológico, mas também é, poderíamos dizer, espiritual. E repete sempre certas formas que podem ser estudadas através dos tempos entre todos os povos. Esses são os arquétipos.

A travessia de um rio [por exemplo], bem, essa é uma situação arquetípica. É um momento importante, um risco. Há perigo na água, nas margens… Hoje, os homens não têm com freqüência essa experiência, nem outras do mesmo gênero. Recordo-me de travessias de rios com crocodilos, e com tribos desconhecidas do outro lado; nessas situações, a pessoa sente que o seu destino – o destino humano – está em jogo. Cada homem tem seu método de abordar uma travessia.

Há também o inconsciente coletivo, esse imenso tesouro, esse grande reservatório, donde a humanidade extrai as imagens, as forças, que traduz em linguagens muito diferentes, mas cuja fonte comum está sendo descoberta mais claramente o tempo todo. Assim, muitas coincidências daí promanam”.

Duplain: “Como chegou ao seu conceito global do ser humano, da totalidade?

Jung: “Empirismo, como já lhe disse, observação. Tem que se admitir que o fato psicológico é tudo. A percepção torna a realidade psíquica, vivemos na espécie de uma imagem do mundo que os nossos sentidos e inteligência podem perceber.

Não conhecemos a verdadeira realidade, na medida em que a totalidade dela não é concebível para nós. Mas possuímos quantidades de sinais da realidade que existe para além da que nos é dado perceber sensorial e intelectualmente. Devemos tentar perceber o que está mais além. [Cf.:Alegoria da Caverna - Platão].

Isso é conseguido por etapas. Toda uma evolução foi necessária antes de ser aceita a idéia do inconsciente. Nietzsche, Schopenhauer, Pierre Janet, Charcot, Freud, foram outras tantas etapas. A conjunção de várias linhas de estudo foi também necessária. Eu tive a sorte de poder estudar toda a minha vida.

Meu pai era um teólogo que se especializou em línguas orientais; transmitiu-me um pouco de seu talento para línguas. Estudei literaturas, alquimia medieval e antiga. Religião comparada, é claro, e, para começar, filosofia ao mesmo tempo que medicina. Enfim, tudo o que considerei necessário para preparar a linha de pensamento e a atitude mental que me levaram a descobrir certas leis.

E não esqueça as minhas viagens, sobretudo à Índia e África, [e Novo México, aos hopis ou Pueblos], onde nos encontramos com homens de outras épocas. Mediante a observação e a descoberta, assinalam-se relações, semelhanças e coincidências [lei da Sincronicidade], e tenta-se remontar à sua Fonte comum, pois certamente deve existir uma. É a soma de experiência, eis tudo”.

E Jung contou a milagrosa cura da jovem professora, através de uma cantiga de ninar, ao ocorrer um “encantamento”, a mais antiga forma de medicina – e nas leis que lhe eram subjacentes, enfatizando: “Ela foi curada pela graça de Deus”.

Duplain: “Como pode o senhor falar assim de graça de Deus?”

Jung: “E por que não? Um bom sonho, por exemplo, é uma graça. O sonho é, em essência, um dom. O inconsciente coletivo, não é para você, nem para mim, é o mundo invisível, é o grande espírito. Pouca diferença faz que nomes se lhe dá: Deus, Tao, a Grande Voz, o Grande Espírito. Mas, para a gente do nosso tempo, Deus é o nome mais compreensível para designar o Poder para além de nós”…

…”Existem tantas formas possíveis da verdade! Cumpre-nos encontrar palavras simples para as grandes verdades; devemos tentar abordar e encontrar a verdade viva subjacente nas coisas. Esse é o mais antigo esforço da humanidade.

Em nossos dias é o intelecto que está produzindo a escuridão, porque cedemos a ele um lugar demasiado grande. A consciência discrimina, julga analisa e enfatiza contradições. É um trabalho necessário até certo ponto. Mas [tal tipo de] análise mata e a síntese dá vida. Temos que descobrir como voltar a pôr cada coisa em conexão com tudo o mais. Devemos resistir ao vício do intelectualismo e fazer com que se entenda que não podemos apenas compreender.

Dois ou três séculos passarão, antes de se inaugurar a nova era de que falei a respeito dos discos voadores [Cf.a obra “Discos Voadores: Um Mito Moderno”]. Muita coisa terá que acontecer ainda à humanidade.

Recordo-me de uma cena maravilhosa que contemplei num fim de tarde na Índia, no Observatório de Darjeeling. Sikkim já estava mergulhado em penumbra, as montanhas azuis até aos sete mil metros. E aí, no meio desse anel de montanhas, estava Kanchenjunga em toda a sua glória, resplendente como um rubi. Era como o lótus com a jóia sem preço em seu centro.

E todos os sábios e cientistas, perdidos em assombro ante esse espetáculo, exclamaram “OM”, sem se aperceber disso. Essa é a palavra primordial, o som que passa de mãe para filho, e o que alguns primitivos dizem quando se acercam de um estranho. E depois que esses homens doutos recuperaram a consciência, sentiram necessidade de uma palavra e pediram-me recitar um trecho do Fausto.

Fausto… sabe como Goethe falou dessa palavra, da pesquisa do essencial que ela significava? Como das Hauptgeschäft, a coisa principal, o essencial. O homem tem necessidade da palavra, mas o número é muito mais importante.

”Em essência, o número é sagrado. Muita coisa poderia ser dita a esse respeito. A quaternidade, sobretudo, é um arquétipo essencial. O quadrado, a cruz. A quadratura do círculo pelos alquimistas. A cruz no círculo ou, para os cristãos, Cristo em “glória”. Não fui eu quem inventou tudo isso. Existe e é importante”.

Duplain: “O que podem os homens fazer… para se prepararem e ajudarem cada indivíduo a preparar-se para enfrentar o futuro, um futuro que já é perturbador em seus aspectos mais imediatos?”

Jung: “Não existe uma receita inteiramente simples, racional. Quase todos nós [suíços] temos uma mentalidade demasiado acadêmica para nos colocarmos face a face com a realidade viva em sua totalidade. Preferimos negá-la, é mais simples.

“Eu digo o que sei, aquilo em que acredito, como vejo as coisas. Mas sei muito bem que a verdade é inefável, e todas as abordagens dela são rudimentares e grosseiras. Seja como for, continuamos avançando. Mas isso é uma longa história!” [.]

[Cf. “C.G. Jung: Entrevistas e Encontros”, p.361. Editora Cultrix].

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