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O matriarcado dos Mosuo ...
Jürgen Vogt
Como funciona um matriarcado na realidade? O escritor argentino Ricardo Coler decidiu descobrir e passou dois meses com os Mosuo, no sul da China. "As mulheres tem um jeito diferente de dominar", explicou o pesquisador à Spiegel Online.
Spiegel Online: Você é da Argentina, que tem fama de ser um país com comportamento machista. Como foi viver por dois meses na sociedade matriarcal dos Mosuo, na China?
Coler: Eu queria saber o que acontece numa sociedade em que as mulheres determinam como as coisas são feitas. Como as mulheres funcionam quando, desde o nascimento, sua posição social as permite decidir tudo? Nós, homens, sabemos o que é um homem, descobrimos isso rapidamente - mas o que constitui uma mulher? Apesar disso, não fiquei mais sábio em relação a esse assunto.
Spiegel Online: A sociedade Mosuo é um paraíso para as feministas?
Coler: Eu esperava encontrar um patriarcado às avessas. Mas a vida dos Mosuo não tem nada a ver com isso. As mulheres têm um jeito diferente de dominar. Quando as mulheres governam, isso faz parte do trabalho delas. Elas gostam quando tudo funciona e a família está bem. Acumular riquezas ou ganhar muito dinheiro não passa pela cabeça delas. A acumulação de capital parece ser uma coisa masculina. Não é sem razão que a sabedoria popular diz que a diferença entre um homem e um menino é o preço de seus brinquedos.
Spiegel Online: Como é a vida do homem no matriarcado?
Coler: Os homens vivem melhor quando as mulheres estão no comando: você não tem quase nenhuma responsabilidade, trabalha bem menos e passa o dia todo com seus amigos. E fica com uma mulher diferente todas as noites. E, além disso, você sempre pode morar na casa da sua mãe. A mulher serve o homem, e isso acontece numa sociedade em que ela lidera e tem o controle do dinheiro. No patriarcado, nós, homens, trabalhamos mais - e de vez em quando temos que lavar os pratos. Na forma de matriarcado original de Mosuo, você é proibido de fazer isso. Quando a posição dominante da mulher está segura, esse tipo arcaico de papeis de gênero não têm muito significado.
Spiegel Online: O que mais o surpreendeu?
Coler: Que não há violência numa sociedade matriarcal. Sei que isso pode descambar para uma idealização - toda sociedade humana tem problemas. Mas resolver os conflitos com violência simplesmente não faz sentido para as mulheres Mosuo. Como elas estão no comando, ninguém briga. Elas não têm sentimentos de culpa ou vingança - é simplesmente vergonhoso brigar. Elas ficam envergonhadas quando o fazem, e isso pode até ameaçar sua posição social.
Spiegel Online: E quando não há solução para um problema?
Coler: Tanto faz, não haverá nenhuma briga. As mulheres decidem o que acontece. Algumas fazem isso de forma mais rígida e outras de forma mais amigável. Elas são mulheres fortes que sabem dar ordens claras. Quando um homem não terminou uma tarefa que recebeu, espera-se que ele admita isso. Ele não é censurado nem punido, mas em vez disso, é tratado como um menino que está aquém da tarefa.
Spiegel Online: Os homens são criados para serem incompetentes?
Coler: Para os Mosuo, as mulheres são simplesmente o gênero mais eficiente e confiável. Entretanto, elas dizem que as decisões "verdadeiramente importantes" - como comprar uma casa ou uma máquina, ou vender uma vaca - são tomadas pelos homens. Os homens são bons para tomar esse tipo de decisão, assim como para o trabalho físico. O líder oficial do governo do vilarejo, o prefeito, é um homem. Eu andei com ele pelo vilarejo - ninguém o cumprimentava ou dava atenção. Um homem não tem nenhuma autoridade.
Spiegel Online: Como essa divisão de papeis funciona no que diz respeito ao amor?
Coler: Na sociedade matriarcal, o amor e o erotismo são onipresentes. Mas há uma grande diferença entre os dois. Eles sempre fazem piadas ambíguas. Sempre tem alguém querendo lhe apresentar uma mulher e sempre há uma mulher sorrindo para você. Como eu disse, são mulheres muito fortes, que dão ordens e gritam com você como se você fosse surdo. Mas quando chega a hora da sedução, elas mudam totalmente. As mulheres agem com timidez, olham para o chão, cantam baixinho para si mesmas e ficam ruborizadas. E elas deixam os homens acreditarem que são eles que escolhem as mulheres e fazem a conquista. Daí eles passam a noite juntos. Na manhã seguinte, o homem vai embora e a mulher continua com seu trabalho como antes.
Spiegel Online: É um paraíso do amor livre, em outras palavras?
Coler: A vida sexual dos Mosuo é muito diferente e muito ativa - troca-se de parceiro com frequência. Mas as mulheres decidem com quem elas querem passar a noite. O lugar onde elas moram tem uma entrada principal, mas toda mulher adulta tem sua própria cabana. Os homens vivem juntos numa casa grande. A porta de cada cabana tem um gancho e todos os homens usam chapéus. Quando um homem visita uma mulher, ele pendura o chapéu nesse gancho. Dessa forma, todo mundo sabe que a mulher está acompanhada. E ninguém vai bater na porta. Se uma mulher se apaixona, ela recebe apenas aquele homem específico, e o homem só vai para falar com aquela mulher.
Spiegel Online: O que torna um homem atraente para uma mulher Mosuo?
Coler: Quando ela pode conversar com um homem, fazer sexo, e sair com ele, então ela está apaixonada. O amor é mais importante para elas do que o compromisso. Elas querem estar apaixonadas. O motivo para ficar com alguém é o amor. Elas não estão interessadas em se casar ou constituir uma família com um homem. Quando o amor acaba, então tudo está acabado. Eles não ficam juntos por causa dos filhos ou por causa do dinheiro ou outro motivo qualquer.
Spiegel Online: O conceito de casamento existe para os Mosuo?
Coler: Sim, as crianças são até mesmo ameaçadas com ele: "Se você não for bom, nós iremos casá-lo". As crianças entendem o casamento como uma história de terror. Perguntaram para mim como é que nós vivemos.
Eu disse: o homem conhece a mulher, eles se apaixonam, têm filhos e vivem juntos para o resto da vida. Ah, disseram, isso deve ser ótimo. Mas no fundo dão risada do fato de nós sempre repetirmos uma coisa que nós mesmos sabemos que não funciona.
Spiegel Online: Podemos perguntar se você também pendurou seu chapéu num gancho?
Coler: Uma mulher quis ter um filho comigo. Eu disse a ela que não, não posso ter um filho com você porque você mora aqui na China e eu moro na Argentina. "E daí?", foi a reação dela. As crianças sempre ficam com as mães. Eu disse que eu não poderia ter nenhum filho que eu nunca pudesse ver. Ela apenas sorriu, como se eu estivesse levando tudo muito a sério. Quando elas têm filhos, as crianças são só delas - os homens não têm nenhum papel.
Spiegel Online: Na China, a sociedade dá mais valor aos filhos homens do que às filhas - isso é diferente com os Mosuo?
Coler: Uma família sem filhas é uma catástrofe. Além disso, essas famílias são menos prósperas economicamente, porque são as mulheres que controlam o dinheiro. Uma família tem de 15 a 20 membros.
Entretanto, há também famílias pequenas com cinco ou seis membros. Os Mosuo podem ter até três filhos, o que é incomum na China, onde a população urbana só pode ter um filho e as pessoas do interior só podem ter dois. Mas os quase 25 mil Mosuos são considerados uma minoria étnica, e portanto podem ter três filhos.
Spiegel Online: Os Mosuo têm uma palavra para "pai"?
Coler: Sim, existe uma palavra, mas não é nada parecido com o nosso conceito do que um pai deve ser. Esses deveres são assumidos pela mãe ou pela família. Normalmente, as mulheres não sabem quem foi que as engravidou. Então, as crianças também não sabem quem é seu pai biológico. Mas, para as mulheres, normalmente isso não é importante porque os homens quase não trabalham e têm pouco controle sobre as coisas de valor material. A família é o que importa, e elas jamais se separariam dela.
Tradução: Eloise De Vylder
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/derspiegel/2009/05/31/ult2682u1183.jhtm
Ricardo Coler (autor do livro O REINO DAS MULHERES) nasceu em Buenos Aires em 1956. É médico, fotógrafo e jornalista. As suas notas, fotografias e ensaios sobre as suas experiências com sociedades matriarcais têm sido publicados em diversos meios de comunicação argentinos e estrangeiros. É fundador e director da revista cultural Lamujerdemivida.
Fonte: http://holosgaia.blogspot.com/2009/06/o-reino-das-mulheres.html
3 comentários:
Não gosto do partiarcado assim como não gosto do matriarcado, ambos tiram a liberdade de um ser, independente de se homem ou mulher.
Para mim nada de controle, nada de regras ou imposições, por melhor que possam parecer.
Sou anarquista, Graças ao Deuses!
Abraços
Anna Leão
www.annaleao.com.br
Concordo que o matriarcado não é o ideal como forma de sociedade,tem que haver um equilíbrio,mas simplesmente achei fantástico que ainda exista uma sociedade com predominância do poder faminino nos dias atuais,e sinceramente,eu gostaria de estar vivendo num matriarcado,ainda que seja imcompleto como forma ideal de sociedade,do que esta paranóia e brutal sociedade masculina do mundo de hoje.
Anna,
Mas será que não há uma agressividade latente e represada nos homens deste matriarcado?!
Na minha opinião o problema é o domínio, não importa de quem... Sinceramente, não sei se eu gostaria de viver lá.
De qualquer forma é muito interessante vc colocar textos com estas informações. Mas para mim está longe de ser o ideal!
Abraço,
Anna
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