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Todos os que visitam a União Soviética trazem de lembrança uma pequena boneca de madeira que contém outras bonequinhas menores em seu interior: é a Matriochka, uma das mais antigas tradições russas, cuja origem desafia há séculos a curiosidade dos pesquisadores.
Quem construiu a primeira Matriochka? E por que ela tem essa forma curiosa? O estudo mais completo sobre o assunto foi publicado por Lev Teplov, que reuniu suas descobertas no livro A Deusa Dourada da Sibéria. Teplov está convencido de que a estátua original existe até hoje, sendo há mais de oito séculos o centro de uma estranha seita religiosa matriarcal, que sobrevive nas florestas siberianas apesar dos esforços do antigo governo comunista soviético para descobrir seus praticantes e encontrar o lugar exato do santuário.
Pesquisando as origens dessa religião misteriosa Teplov reuniu antigos testemunhos de viajantes que tentaram encontrar a sede do culto da deusa dourada. A primeira pista era a cidadezinha de Viatka, nos Urais, onde até hoje são feitas as pequenas Matriochka de madeira. Antigamente toda aquela região fazia parte do distrito de Ugra, que se estendia dos dois lados dos Urais até a ilha de Yamal, ao norte. Seus habitantes descendem de dois grupos originais, os khantis e os mansis, que foram os primeiros habitantes dos pântanos gelados do curso inferior do rio Ob.
No século 5, khantis e mansis participaram da expedição militar organizada por Alarico para saquear Roma e voltaram carregados de tesouros.
As crônicas russas da época fazem referência a uma grande estátua de mulher, fundida com o ouro trazido de Roma, segundo Teplov, a deusa dourada original, a lumala, à qual se ofereciam objetos de valor e até sacrifícios humanos.
Os ugrianos não tinham escrita, e preservavam seus costumes e tradições em segredo, evitando o contato com os russos de outras raças que habitavam regiões vizinhas. Mas desde o século 10 já se falava em toda Europa de uma grande deusa dourada, adorada nos pântanos siberianos.
Logo surgiram aventureiros atraidos pelas riquezas do estranho culto. Um deles o viking sueco Thorir, o Canalha, descobriu em 1023 o santuário secreto de lumala.
A lenda conta que Thorir descobriu o santuário com a ajuda de uma jovem ugriana que ele havia seduzido: numa clareira escura da floresta brilhava a grande estátua de ouro maciço, colocada sobre um altar rústico e rodeada pelos inumeráveis tesouros trazidos de Roma. O que aconteceu depois é fácil de imaginar. O roubo, o saque, a fuga precipitada pela floresta, a luta entre os saqueadores, cada um deles querendo ficar com todo o botim. Thorir foi perseguido e morto. E a deusa lumala voltou ao altar profanado.
Naquela época a estatua estava escondida às margens de um pequeno afluente do Divna setentrional. Mas depois do saque os ugrianos a levaram para além dos Urais, construindo um novo santuário na confluência dos rios Ob e lrtrych.
Foi mais ou menos nesta época que começaram a surgir dúvidas sobre a aparência de lumala. Alguns diziam que a estátua representava uma mulher sentada, com uma criança no colo. Outros afirmavam que a deusa era a imagem de uma mulher nua, de pé, segurando uma espécie de cajado.
O barão Siegmund Herberstein, gravador e cartógrafo medieval, fez um desenho de lumala na carta que publicou em 1551. Ele viajara para Moscou em 1549 e ali soubera que a estátua era oca com outra estátua igual, menor, no seu interior, e ainda outra, menor, dentro da segunda. As três estátuas representavam a filha, a mãe e a avó, na seita do estranho culto ugriano. Segundo a lenda contada a Herberstein, o vento assobiava quando passava pelo corpo oco das estátuas, e todo ugriano que ouvia esse ruído deveria depositar no solo uma oferenda para a deusa.
Todos os dias os guardiães da deusa, vestidos de vermelho, percorriam a floresta, recolhiam as oferendas e as levavam para o altar. E quando já tinham recolhido bastante ouro, fundiam uma nova estátua sobre a anterior. Assim, a cada ano, lumala ficava maior e mais rica.
Os pesquisadores mais recentes, como o russo Teplov, acreditam realmente nessa lenda, e também que o ouro para a estátua original veio de Roma: diversas descrições do culto de lumala incluem em seus tesouros taças de cobre, metal comum na Roma antiga mas absolutamente desconhecido nos pântanos de Ugra. Em 1584 o explorador inglês Giles Fletcher chegou a Moscou na pista de lumala. Enviou aos Urais uma expedição chefiada por um tal Bogdan, mas a deusa douradanão pode ser encontrada. Fletcher relata esse fato no seu livro Of the Russa Commonwealth.
Segundo Herberstein apenas quatro estranhos chegaram a ver lumala. Um deles foi o conquistador cossaco Briazza que anexou oficialmente a Sibéria à Rússia na campanha de Ata Ermak. Em 1582 Briazza irrompeu nos pântanos siberianos à frente de seus cossacos e as tribos locais refugiaram se na pequena cidade fortificada de Nimiar, levando a estátua consigo. Um espião de Briazza introduziu se na cidade, onde assistiu a uma cerimônia do culto. Mas durante o ataque lumala foi secretamente retirada e escondida na floresta. Briazza morreu em combate e sua armadura, presente do czar, foi depositada aos pés da deusa. Naquela época ainda lhe eram oferecidos sacrifícios humanos. Os sacerdotes atingiam o prisioneiro com flechas ocas, por onde o sangue escorria. A morte lenta fazia parte do ritual. Mais tarde passaram a sacrificar animais em vez de homens.
As notícias seguintes sobre lumala datam de meados do século 18, quando o coronel russo Grigori Novitski foi punido por ter participado de um complô político na Ucrânia. Foi expulso de Kiev e enviado para uma distante guarnição de Tobolski, próximo do local onde os ugrianos escondiam a deusa dourada. Sabendo desse fato o coronel iniciou uma busca rigorosa procurando o santuário secreto de lumala. Suas descobertas foram relatadas numa espécie de diário, que enviou a Moscou, e que confirma em muitos pontos os escritos antigos de Herberstein.
Constantin Nossilov, um viajante russo que explorou a região de Konda em 1904, soube, por um velho aldeão, que a estátua da deusa tinha novamente cruzado os Urais.
Anton Kaduline, um velho caçador que vive até hoje numa pequena fazenda perto de Tiumen, foi talvez o explorador contemporâneo que chegou mais perto do santuário oculto. Um pescador contou lhe que o culto a lumala ainda persistia, em segredo, nos pântanos da região. Curioso, Kadulme começou a procurar e descobriu um pequeno altar com alguns tesouros e a estátua de bronze de um deus de aparência pouco humana. Mas não viu lumala, que tinha sido levada dali pouco antes.
Lev Teplov viajou por toda a região, conversou com centenas de pessoas, explorou as florestas e não descobriu nada. O próprio Anton Kadulme não pôde ou não quis ajudá lo. Mas voltou convencido de que o culto a lumala ainda persiste numa das ilhas dos pântanos gelados do curso inferior do rio Ob. Acredita que se a deusa for encontrada, estarão entre seus tesouros taças de cobre de Roma antiga e a rica armadura do conquistador Briazza.'
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