ESCOLHENDO OS TECIDOS
(...)É fácil nos perdermos no meio de nós mesmas. É fácil ficar perdida entre o que somos, o que fomos, o que devemos ser, o que querem que sejamos. De fato temos respostas para todos esses questionamentos?
Talvez o cerne de tudo esteja nos tecidos que escolhemos para fazermos a nossa colcha do amor.
Não precisamos buscar no baú das nossas lembranças apenas os tecidos mais belos e mais fortes, pois a nossa colcha deve ser feita também com os tecidos menos bonitos.
Reúnam os retalhos da vida, desde aquela seda maravilhosa, o algodão macio, até a lã mais felpuda... juntem com aqueles retalhos ásperos que as incomodam ao passar a mão. Para cada retalho áspero, dois retalhos suaves são suficientes.
Uma boa colcha de retalhos, para nos agasalhar, deve conter todos os retalhos que no baú das lembranças a gente encontrar.
Para saber se é um retalho que servirá para a sua colcha, peguem-no, coloquem-no junto ao peito, sintam o cheiro. Para onde ele te leva? Os cheiros nos levam a tantos lugares... Se o retalho fizer o corpo reagir, o coração acelerar, os olhos marejarem, a boca se abrir num sorriso ou num suspiro... Então é um bom retalho para a colcha de vocês. Se o retalho lhes incomodar quando vocês o trouxerem junto ao peito, se o retalho pinicar o corpo, se fizer com que suas sobrancelhas se juntem franzidas... Então também é um bom retalho para fazer a colcha.
Não que seja preciso dizer mas... deixem de lado retalhos sem cor alguma, tecidos neutros não devem fazer parte da colcha de vocês.
Acreditem, com essas dicas, vocês saberão distinguir quais os retalhos ideais para a colcha.
Lembrem-se: para cada retalho áspero, dois retalhos macios.
SEPARANDO AS LINHAS
Depois de reunir os retalhos é importante separar as linhas para que vocês consigam unir os retalhos macios com os ásperos.
Procurem no baú da memória aquelas linhas mais fortes e de cores mais intensas. Dê preferência àquelas linhas e fios que remetem vocês a algum cabo de guerra da vida. Segurem firmemente os fios que você sescolheram ao abrir o baú e puxe com as duas mãos, lembrando que as cores vivas são importantes. Linhas vermelhas de paixão, de garra, de luta. Para que a colcha não se desfaça nos invernos que ainda estão por vir, as linhas precisam ser fortes como aquele tempo em que achávamos que podíamos mudar o mundo, ou como aquele momento em que estivemos tão certas daquilo que queríamos e lutamos até sangrar para conseguir.
Cores quentes e vibrantes de linhas fortes e duráveis... Ideal para unir os retalhos bons aos ruins.
Lembrem-se: para cada retalho ruim, dois retalhos bons estão de bom tamanho.
TECENDO A COLCHA
Vocês já escolheram os retalhos e as suas linhas, agora é hora de tecer.
A colcha deve ser tecida de forma que a linha forte que vocês escolheram prenda o retalho áspero entre os dois retalhos macios. Isso é muito importante!
Quando envolvemos o retalho áspero com os retalhos macios damos a oportunidade do retalho áspero fazer seu trabalho, que é dar forma e rechear os retalhos macios. Sem o retalho áspero não saberíamos quão macios são os retalhos que servirão para nos cobrir.
Os retalhos ásperos não devem ser sentidos enquanto nos cobrimos com a colcha. Portanto, prenda muito bem os macios. Usem as linhas fortes para segurar o retalho áspero dentro dos dois retalhos macios.
Vocês sentirão que a colcha feita desta forma irá cobrir vocês com o peso ideal. Não se faz uma verdadeira colcha de retalhos do amor só de retalhos macios, fica leve demais, parece que estamos sozinhas, sozinhas de nós mesmas... pode não ser suficiente para cobrir nas noites frias do inverno.
É importante ter o peso dos retalhos ásperos presos com os fortes fios, para que os retalhos não se soltem à medida que vocês se movimentam debaixo da colcha. Vocês podem colocar em risco todo o trabalho construído.
DAR O NÓ DA MANEIRA CERTA
Agora que vocês já uniram os retalhos e já os costuram de maneira firme, é hora de dar os nós. Sim, por que se não der um nó bem dado, as fortes linhas de nada adiantarão. Os retalhos vão se soltar, pode acontecer de algum retalho macio se soltar e deixar o retalho áspero te cutucar. É muito ruim sentir os cutucões dos tecidos ásperos enquanto o que se pretendia o tempo todo, é que esses servissem de recheio para os felpudos.
Dar os nós nas nossa colcha mágica não tarefa fácil. Somos facilmente tentadas a deixar um ou outro frouxo, fazendo escapar algum ponto “farpento” do tecido áspero incomodar o nosso aconchego. Quantas vezes, quando o aconchego está perfeito, quando tudo mais está perfeito, nos deixamos incomodar com as aspereza de algum tecido duro, não é mesmo? É como se não conseguíssemos desfrutar do momento, pois ficamos focadas naquele ponto áspero, insistente, que tira o sono e não nos deixa ser feliz.
Aqui se requer muita habilidade e responsabilidade na hora de dar o nó, pois se os retalhos se soltarem... a culpa será só nossa,pois fomos nós quem não demos o nó da maneira devida.
Outro ponto importante para a confecção da nossa colcha é dar o nó firme, mas deixar que ele fique em relevo, pois nós em relevo também incomoda. O nó deve ser parte integrante da colcha sem que nós percebamos nitidamente. Lembrar toda hora do nó na hora de se cobrir com a colcha deixa marcas pelo corpo, incomoda ficar lembrando dele, gera medo dele se soltar e nos faz duras, afirmando a nós mesmas o quanto pode ser desastroso se o trabalho se perder por que não demos o nó certo. Pode prejudicar o sono, embaralhar a mente e nos impossibilitar de curtir todo o trabalho que tivemos.
O medo do nó soltar é o equivalente àqueles momentos em que sabemos que fizemos um bom trabalho, em que demos o melhor de nós mesmas e usamos todo o nosso amor e habilidade para construir algo, mas que tudo pode se perder... Ficamos o tempo inteiro pensando que tudo poderá ir por água abaixo...
Então, façam seus nós com firmeza e de modo que ele seja mais um ponto natural da colcha que você vagarosamente confeccionou. Vocês dormirão mais tranqüilas.
DEBAIXO DA COLCHA
Sua colcha está feita!
E como é bom terminar um longo trabalho!
Como é bom saborear a conclusão do processo difícil de juntar os nossos pedaços, digo, de juntar os nossos pedaços de pano...
Agora é hora de vocês se cobrirem com a colcha que vocês fizeram com suas mãos, seus tecidos e suas linhas. Se cobrir com a colcha equivale àqueles momentos sem explicação em que despertamos em uma manhã, seja ela fria ou não, nublada ou ensolarada, e estamos tão aconchegadas com nós mesmas.
Estamos protegidas pela colcha mágica dos nossos retalhos, com todos os fios e nós em perfeita harmonia e conseguimos até cobrir aqueles que amamos com os nossos pedaços unidos, digo, os nossos pedaços de panos unidos com nossas linhas.
Quando vocês terminarem a colcha, cobram-se com ela, cubram-se sem medo dos nós se soltarem. Vocês fizeram um bom trabalho.
Cubram-se sem roupa, sem medo, sem medo de que os tecidos ásperos incomodem a mente e o corpo.
Cubram-se, esse é o manto que vocês fizeram, o manto de vocês mesmas.
HORA DE SE DESCOBRIR
E, por fim, devo dizer a vocês que talvez a melhor parte de todo o trabalho nem seja se cobrir com a colcha, mas se descobrir.
A colcha de retalhos do amor tem o seu poder potencializado quando nos descobrimos.
Sim, ela nos aquece e nos acomoda gostoso, mas o melhor momento talvez seja aquele em que, depois de um tempo cobertas, aquecidas com os retalhos que vocês souberam alinhavar muito bem, vocês se descubram... nuas, livres, apenas sendo o que vocês são.
Ao se descobrir, guarde a colcha num lugar especial, com alguns ramos de lavanda para perfumá-la, vocês sempre terão os retalhos unidos na colcha mágica.
Descubram-se sempre... e recorram à colcha sempre.
Não esqueçam dela jamais... Valorizem-na, ela e o trabalho magnífico de vocês.
Essa é uma lição muito importante para toda costureira que se preze!
Vocês construirão muitas colchas no decorrer da vida...
Quem sabe uma colcha gigante não possa se formar ao final, não é mesmo?
E é assim, tecendo, fiando, costurando os tecidos e as linhas das nossas vidas que aprendemos alguns mistérios magníficos da Grande Fiandeira, Aquela de cujos dedos são feitos o sonho e a realidade, o adormecer e o despertar... tudo junto num enorme manto multicolorido.
Somos filhas da Grande Tecelã da vida... e, por Ela, jamais nos esqueçamos disso!
Fonte: http://universoecofeminino.blogspot.com/2010/02/colcha-de-retalhos.html
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